O amor e a donzela inexpugnável



“Os motivos que compõem romance”, segundo Cavalcanti Proença, “são filiados nos velhos e perenes topos” – ou temas – “da literatura popular. O amor à primeira vista é um deles. Ver e amar é um verbo só. E isso porque a narrativa não é a história de um amor, mas dos sofrimentos do amor. (…) Para isso se entretecem os conflitos de escrava que não tem direito de amar, os do homem casado que não deve trair a esposa. (Amor verdadeiro só o primeiro.)”

Entre esses temas, há um que remonta à literatura medieval e que domina a narrativa como um todo, a partir da descrição de Isaura como pura e virtuosa, lutando contra a luxúria do seu senhor. É o da donzela inexpugnável, que defende sua pureza com todas as forças de que dispõe, preferindo arriscar-se à morte na fuga a se entregar sexualmente.

Entre os precursores da literatura folhetinesca está o romancista e tipógrafo inglês Samuel Richardson (1689-1761). A sua novela Pamela, ou a Virtude Recompensada, publicada em 1741, certamente é uma das fontes de inspiração mais contundentes para a composição do romance de Bernardo Guimarães. Nessa obra, Richardson narra as desventuras de Pamela Andrews, filha de camponeses que é educada por uma senhora nobre que, ao morrer, a entrega aos cuidados de seu filho, o Conde de Belfart. Esse jovem inescrupuloso atenta contra a virtude de Pamela, assediando-lhe com ameaças vis e acaba por entregar-lhe a uma vulgar alcoviteira. Mas Pamela, como Isaura, consegue defender-se, mantendo intacta a sua honra. Acaba por comover com suas lágrimas abundantes o Conde de Belfart que, arrependido, termina se casando com a heroína.

Bernardo Guimarães acrescenta à trama romanesca inventada por Richardson a figura do cavalheiro salvador Álvaro e a temática bem brasileira da escravidão.